domingo, 26 de abril de 2015

Por um novo professor, capaz de transformar escola


Estudiosa sustenta: papel de transmissor de saberes esgotou-se. Mas o de orientar alunos em seu próprio aprendizado será cada vez mais indispensável

Por um novo professor, capaz de transformar escola

Verônica Branco, entrevistada por Ana Luiza Basílio, no Educação Integral

Diferenciação entre ensino e aprendizagem, contestação da tradicional fórmula de transmissão de conhecimento e avanços das tecnologias e da comunicação. Estes elementos demandam uma reorganização da escola e o professor tem um papel central nisto. A opinião é da doutora em educação Verônica Branco, docente do setor de educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, a educadora analisa as demandas do século XXI e endossa a necessidade da mediação na aprendizagem, que pede um repensar das práticas escolares e, sobretudo, novo posicionamento por parte do professor, que deve sustentar uma postura orientadora, dialógica e capaz de ampliar os conhecimentos para além do território escolar. Confira a entrevista concedida durante o I Seminário Internacional de Educação Integral – TEIA.

Centro de Referências em Educação Integral: De onde se parte para diferenciar o tempo do ensino e o tempo da aprendizagem?

Verônica Branco: A organização da escola, nos séculos XVIII e XIX, veio acompanhada de uma concepção do ensino atrelada ao transmitir, de passar o que se sabe ao outro. A ideia era de que se aprendia ouvindo, memorizando e repetindo, princípio que ainda se vê hoje em dia. Só no século XXI se tem a clareza de que essa forma é ultrapassada, desnecessária, até porque o professor não tem acesso a toda essa informação que o jovem tem e a comunicação extra-escolar é, de fato, muito mais eficiente. Também começamos a nos dar conta de que a escola trabalhou muito com o ensino, mas sem uma clareza de seus resultados, validando a lógica de que “se eu ensinei, ele tem que ter aprendido”. Caso contrário, faltou esforço por parte do aluno.

E qual concepção surge após estas constatações?

Verônica Branco: Surge a preocupação com a aprendizagem, desvinculando-a do ensino. Porque o ensino é trabalho do professor e a aprendizagem, do aluno. Isso não quer dizer que quem ensina não aprenda, mas temos segmentos responsáveis por essas habilidades. O professor, então, passa a ter o papel de repensar o ensino e suas práticas, já que transmitir não é mais o esperado. A conduta é de mediação, ou seja, orientar a aprendizagem a partir dos recursos já existentes, apoiando os alunos na leitura, interpretação e apropriação das informações, gerando conhecimento.

O aluno que não aprende passa a ser problema do professor, uma vez que se passa a avaliar em que medida ele atendeu as necessidades do estudante. Por isso, há a necessidade do docente garantir esse espaço de experimentação e reflexão para os sujeitos, que se torna possível ao conhecê-los e considerar os diversos contextos que os rodeiam.

Como esperar que a escola dê conta dessa integralidade do indivíduo, se não resolveu muitos dos problemas relacionados ao ensino?

Verônica Branco: Não estamos mais nessa evolução linear que a humanidade foi alcançando em séculos. O conhecimento deu saltos exponenciais. Isso mostra o quão ineficiente se torna um professor se fechar em sala de aula com cartilha e quadro negro e tentar resolver a alfabetização, por exemplo. As crianças precisam aprender o que fazer com a leitura e escrita no mundo. Elas devem sair, ler as placas e cartazes, e estabelecer significado para o que aprendem. É aí que o professor pode atuar como mediador.

Verônica Branco: Eles estão preparados para esta nova função?

A questão é que eles também não são formados para isso. As universidades ainda trabalham como se os docentes fossem reproduzir a sua lógica de ensino; muitos professores universitários nunca pisaram em uma sala de aula. As discussões nas formações abordam teoria ou filosofia, mas não as práticas de ensino.

As crianças aprendem mais quando estão imersas em uma situação. Os professores têm que fazer uso disso e ajudá-las a sistematizar esses conhecimentos, de maneira integrada. É nessa medida que o tempo do ensino e da aprendizagem ainda são diferentes, porque são postos em caixinhas desconectadas. A escola se ocupou da educação formal e não dialoga com a que vai acontecendo ao longo da vida.

Verônica Branco: E como a escola deve se articular para que esse processo aconteça?

Verônica: Há um ponto central nas discussões sobre educação integral que é: precisamos de mais tempo. As quatro horas, organizadas em 50 minutos, já eram insuficientes para o modelo em que o professor tinha que transmitir conhecimento. Hoje, a mediação pressupõe participação e não se encaixa ao modelo. E veja que estou apenas falando do tempo em sala de aula.

Esse conhecimento também está no mundo, ou seja, as crianças têm que sair da escola. Claro que algumas coisas podem adentrar esse ambiente, mas é preciso considerar o tempo de levar as crianças para a rua, ao parque, ao cinema ou ao teatro. A escola tem que se assumir enquanto espaço de organização e não somente um espaço de permanência.

Vista a defasagem na formação dos professores, como imaginar que eles possam dar conta desse arranjo?

Verônica Branco: Eu não fui formada para ter filhos. Como eu aprendi? Na vida. Fui buscar os livros, outras referências e fui aprendendo com tudo isso. É um processo de se abrir também, de buscar o conhecimento que não se tem. O professor também precisa estar aberto a aprender, não só as crianças. Aí é que está o problema, fechado ele se sente protegido, fecha a porta e faz o que quer dentro da sala de aula. Ele ainda não se deu conta de que é um ator social e que tem compromisso com cada uma das crianças. O professor é o principal articulador do arranjo de educação integral.

Como vê essa implementação?

Verônica Branco: Nas discussões de educação integral, sempre aparece a questão do espaço mas este não é o maior problema. O professor tem que ser o maior foco para garantir essa revolução que pretendemos nas escolas, para que elas deixem de ser jurássicas. É um trabalho que independe do espaço, começa a partir da formação do professor, para que ele seja capaz de expandir esses espaços, esse território da escola para o seu entorno.

Temos aí o Plano Nacional de Educação que quer 50% das escolas ofertando educação em tempo integral nessa década para pelo menos 25% dos alunos (meta 6). Isso não é pouco em termos de Brasil, temos muito a fazer ainda nessa década.

Reproduzido de Outras Mídias
29 nov 2014

Verônica Branco

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Como as escolas transformam crianças em adultos medíocres


Como as escolas transformam crianças em adultos medíocres

Uma reflexão acerca do sistema educacional que desperdiça talentos e faz do estudo um desprazer.

O mundo muda cada vez mais rapidamente. Para transpor os novos desafios, precisa-se, mais do que nunca, de pessoas que pensem criticamente e ajam proativamente. Pessoas capazes de olhar para os problemas e conceber soluções. Capazes de analisar, inovar, criar e reinventar.

Contraditoriamente, não é esse tipo de pessoas que estamos formando.

Logo nos primeiros anos de vida, inserimos as crianças em um sistema educacional que as converte em adultos consumidores, e não criadores de conhecimento. Adultos que deixam de explorar seus talentos para se enquadrar em padrões medianos. Adultos que tiveram sua criatividade tolhida e seu pensamento crítico inibido. Adultos que não buscam ideias e conhecimentos por conta própria.

Eis algumas razões pelas quais o modelo educacional vigente é obsoleto e as sequelas deixadas em cada um que passa por ele.

Ambiente escolar totalmente desfavorável

As escolas são indústrias. Essa metáfora de Ken Robinson, um dos grandes especialistas em educação da atualidade, talvez seja a que melhor descreve o funcionamento da esmagadora maioria das escolas ao redor do mundo.

Assim como em uma indústria, as escolas agrupam os seus alunos em lotes: as chamadas turmas. Em uma sala de aula, cada lote passa por uma rotina repetitiva, na qual profissionais especializados  -  os professores  -  desempenham seus papeis de maneira departamentalizada, ensinando conteúdos isoladamente, mesmo que na verdade todo o conhecimento esteja entrelaçado, e não segmentado em pacotes de disciplinas. Sirenes tocam indicando que é hora da aula atual ser interrompida para dar lugar à próxima. Quando os alunos já passaram por vários anos de repetições diárias desse ciclo, recebem o rótulo de “formados”, o que significa que o lote está pronto para ir para o mercado.

Infelizmente, não para por aí. Além de fábricas, as escolas também possuem características de presídios. Elas cerceiam a liberdade dos alunos. Todos têm hora para entrar, hora para ir para o pátio e hora para sair. Há inspetores vigiando os estudantes e punições  -  advertências, suspensões, expulsões  -  para os que tiverem mau comportamento.

Esse conjunto de medidas faz com que as escolas suprimam o desejo de aprender, ao invés de despertar a curiosidade e estimular a inteligência. Tomando emprestada a metáfora do fascinante educador Rubem Alves, pode-se concluir que as escolas, em sua maioria, são gaiolas, quando na verdade deveriam ser asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.

Rubem Alves

O modus operandi que norteia o funcionamento de praticamente todas as escolas é o mesmo há muitas décadas. As poucas mudanças que aconteceram não foram de caráter educacional, e sim cultural, como o surgimento das escolas mistas e o fim dos internatos. Fora isso, as escolas em que você estudou seguem os mesmos paradigmas das escolas em que seus avós estudaram. Salas de aula, lousas, cadernos e a velha relação dual: “o professor ensina e o aluno aprende”.

Foco na memória, e não na habilidade de pensar

Ao invés de ensinar os alunos a pensar, as escolas os obrigam a digerir grandes quantidades de informações. Em aulas puramente expositivas, transmite-se o o conteúdo, que, posteriormente, é cobrado em uma prova - a maneira que as escolas encontraram para mensurar o aprendizado. Isso é bastante curioso, porque as provas, em geral, exigem que os alunos apenas reproduzam o que lhes foi “ensinado”, e não que desenvolvam seu raciocínio, senso crítico e a habilidade de relacionar fatos para tirar conclusões. Basicamente, na escola, os alunos são treinados para memorizar informações e despejá-las em avaliações escritas.

Inibição da criatividade

As escolas instituem desde o começo que serão feitas perguntas, e que cada pergunta admite apenas uma resposta correta. Se o aluno não responde exatamente o que lhe foi ensinado, ele errou. E é bom que não erre muitas vezes. Caso contrário, ele não passará de ano. O aluno aprende que ele não tem liberdade para pensar fora da caixa.

Conteúdos nem sempre relevantes

O cenário em uma sala de aula é, quase sempre, o mesmo: alunos sentados durante várias horas anotando o que o professor ensina. Não importa se o assunto lhes interessa ou se terá utilidade no futuro. Na verdade, as escolas desperdiçam boa parte do tempo e da energia dos alunos com assuntos desnecessários, quando poderiam estar desenvolvendo habilidades relevantes para a vida pessoal e profissional.

As escolas ensinam que a democracia surgiu na Grécia Antiga, mas não despertam nos alunos o pensamento crítico para avaliar o nosso cenário político e tomar melhores decisões. As escolas ensinam equações de segundo grau e logaritmos, mas não instruem sobre noções básicas de economia ou finanças pessoais. As escolas ensinam o que são dígrafos e sujeitos desinenciais, mas não formam pessoas que saibam explorar os recursos da linguagem na hora de se comunicar com clareza.

Padronização do ensino

O ensino é o mesmo para todos. Um aluno que se interessa mais por uma determinada área não tem, dentro da maioria das escolas, a oportunidade de se aprofundar nela. Alunos com capacidades e interesses distintos são agrupados simplesmente por terem idades iguais, freando o desenvolvimento dos que têm mais facilidade e ignorando as necessidades especiais dos que possuem dificuldades. Além disso, as escolas conduzem o ensino sempre da mesma maneira, ignorando o fato de que cada aluno se adapta melhor a um tipo de aprendizado: visual, auditivo, cinestésico, entre outros.

Ao passar por todas as falhas desse modelo educacional, as crianças não ficam ilesas de suas consequências: redução da capacidade criativa, desprezo pelo ato de estudar, pouca habilidade para pensar por si próprias, estresse e acúmulo de muitas informações dispensáveis.

O mundo mudou, mas as escolas continuam presas a décadas atrás. Ao invés de doutrinar os alunos para se tornarem cidadãos obedientes e passivos, elas precisam estimulá-los a pensar de maneira inovadora e lidar com problemas reais  -  que são muito diferentes de um enunciado aguardando uma resposta decorada. Quando isso acontecer, chegaremos ao cerne da resolução de boa parte dos problemas contemporâneos.

E, quiçá, de uma verdadeira revolução.

Reproduzido de Medium Brasil
30 jan 2014

quinta-feira, 16 de abril de 2015

“Como estrelas na terra: toda criança é especial”


“Como estrelas na terra: toda criança é especial”, filme sobre garoto com Dislexia

O filme “Como estrelas na terra” conta a história de uma criança que sofre com dislexia e custa a ser compreendida. Ishaan Awasthi, de 9 anos, já repetiu uma vez o terceiro período (no sistema educacional indiano) e corre o risco de repetir de novo. As letras dançam em sua frente, como diz, e não consegue acompanhar as aulas nem focar sua atenção.

Seu pai acredita apenas na hipótese de falta de disciplina e trata Ishaan com muita rudez e falta de sensibilidade. Após serem chamados na escola para falar com a diretora, o pai do garoto decide levá-lo a um internato, sem que a mãe possa dar opinião alguma. Tal atitude só faz regredir em Ishaan a vontade de aprender e de ser uma criança. Ele, visivelmente entra em depressão, sentindo falta da mãe, do irmão mais velho, da vida… e a filosofia do internato é a de disciplinar cavalos selvagens.

Inesperadamente, um professor substituto de artes entra em cena e logo percebe que algo de errado estava pairando sobre Ishaan. Não demorou para que o diagnóstico de dislexia ficasse claro para ele, o que o leva a por em prática um ambicioso plano de resgatar aquele garoto que havia perdido sua réstia de luz e vontade de viver.

Saudações,

Marisa Oliveira – leitora reab.me

Reproduzido de Reab.me
11 abr 2015

Link para o vídeo, clicando aqui.

domingo, 12 de abril de 2015

Claudio Naranjo: A educação que temos rouba dos jovens a consciência, o tempo e a vida


A educação que temos rouba dos jovens a consciência, o tempo e a vida

Quando ouvimos este psiquiatra chileno de 75 anos, temos a sensação de estarmos diante de Jean-Jacques Rousseau do nosso tempo. Ele nos conta que esteve bastante adormecido até os anos 60, quando se mudou para os EUA, se tornou discípulo de Fritz Perls, um dos grandes terapeutas do século XX, e passou a integrar a equipe de terapeutas do Instituto Esalen da Califórnia. A partir deste momento passou a ter profundas experiências no mundo terapêutico e espiritual. Entrou em contato com o Sufismo e tornou-se um dos introdutores do Eneagrama no Ocidente. Ele também bebeu do budismo tibetano e do zen.

Claudio Naranjo tem dedicado sua vida à pesquisa e ao ensino em universidades como Harvard e Berkeley. Fundou o programa SAT, uma integração de Gestalt-terapia,  Eneagrama e Meditação para enriquecer a formação de terapeutas  professores. Neste momento, lança um alerta contundente: ou mudamos a educação ou o mundo vai afundar.

- Você diz que para mudar o mundo é preciso mudar a educação. Qual é o problema da educação e qual é a sua proposta?

- O problema da educação não é de forma alguma o que os educadores pensam que é. Acreditam que os alunos não querem mais o que eles têm a oferecer. Aos alunos vão querer forçar uma educação irrelevante e estes se defendem com distúrbios de atenção e com a desmotivação. Eu acho que a educação não está a serviço da evolução humana, mas sim a produção ou socialização. Esta educação serve para adestrar as pessoas de geração em geração, a fim de continuar a ser mais um manipulado pelos cordeiros da mídia. Este é um grande mal social. Você quer usar a educação como uma maneira de embutir na mente das pessoas uma maneira de ver as coisas que irá atender ao sistema e a burocracia. Nossa maior necessidade é evoluir na educação, para que as pessoas sejam o que elas poderiam ser.

A crise da educação não é uma crise entre as muitas crises que temos, uma vez que a educação é o cerne do problema. O mundo está em uma profunda crise porque não temos uma educação para a consciência. Nós temos uma educação de uma forma que está roubando as pessoas de sua consciência, seu tempo e sua vida.

O modelo de desenvolvimento econômico de hoje tem ofuscado o desenvolvimento da pessoa.

- Como seria uma educação para a qual sejamos seres completos?

- A educação ensina as pessoas a passar por exames, não em pensar por si mesmas. É um exame que não se mede a compreensão, mede-se então a capacidade de repetir. É ridículo, se perde uma grande quantidade de energia! Ao invés de uma educação para a informação, precisamos de uma educação que aborde o aspecto emocional e uma educação da mente profunda. Para mim parece que estamos presos entre uma alternativa idiota, que é a educação secular e uma educação autoritária que é a educação religiosa tradicional. Está tudo bem separar o Estado e a Igreja mas, por exemplo, a Espanha, tem descartado o espírito, como se religião e espírito fossem a mesma coisa. Precisamos que a educação também atenda à mente profunda.

- Quando você fala sobre a espiritualidade e a mente profunda o que quer dizer exatamente?

Tem a ver com a própria consciência. Tem a ver com essa parte da mente da qual depende o sentido da vida. Se está educando as pessoas sem este sentido. Tampouco é uma educação de valores, porque a educação de valores é demasiadamente retórica e intelectual. Os valores deveriam ser cultivados através de um processo de transformação pessoal e esta transformação está longe da educação atual.

A educação deve também incluir um aspecto terapêutico. O desenvolvimento pessoal não pode ser separado do crescimento emocional. Os jovens estão muito danificados afetiva e emocionalmente pelo fato de que o mercado de trabalho esta absorvendo os pais que não têm mais disponibilidade para os filhos. Há muita carência amorosa e muitos desequilíbrios nas crianças. Não pode aprender intelectualmente uma pessoa que está emocionalmente danificado.

O lado terapêutico tem muito a ver com resgatar na pessoa a liberdade, a espontaneidade e a capacidade de satisfazer seus próprios desejos. O mundo civilizado é um mundo domesticado e tanto a formação como a criança são instrumentos desta domesticação. Temos uma civilização doente que os artistas perceberam há muito tempo e agora cada vez mais pensadores, percebem também.

- A educação parece interessada apenas em desenvolver as pessoas racionais. Que outras partes mais poderiam ser desenvolvidas?

- Eu coloco ênfase de que somos seres com três cérebros: temos cabeça (cérebro intelectual), coração (cérebro emocional) e intestino (cérebro visceral ou instintivo). A civilização está intimamente ligada à tomada do poder pelo cérebro racional. No momento em que os homens predominaram no controle político, cerca de 6000 anos atrás, se instaura o que chamamos de civilização. E não é só o domínio masculino e nem só o domínio da razão, mas também a razão instrumental e prática, que se associa com a tecnologia; é este predomínio da razão instrumental sob o afeto e a sabedoria instintiva que nos tem empobrecidos. A plenitude só pode viver em uma pessoa que tem os três cérebros ordenados e coordenados. Deste meu ponto de vista, precisamos de uma educação para os seres com três cérebros. Uma educação que poderia ser chamada de holística ou integral. Se vamos educar a pessoa como um todo, devemos ter em mente que a pessoa não é apenas razão.

Ao sistema convém que cada pessoa não esteja em contato consigo mesma e nem que pense por si mesma. Por mais que se levante a bandeira da democracia, ela tem muito medo que as pessoas tenham uma voz e estejam conscientes. A classe política não está disposta a investir em educação.

- A educação nos faz mergulhar em um mar de conceitos que nos separam da realidade e nos aprisiona em nossa própria mente. Como se pode sair desta prisão?

- Esta é uma grande questão e é uma questão necessária no mundo educacional. A ideia de que o conceitual é uma prisão requer uma certa experiência de que a vida é mais que isto. Para quem já tem interesse em sair da prisão intelectual, é muito importante ter disciplina para parar a mente, ter a disciplina do silêncio, como praticado em todas as tradições espirituais: cristianismo, budismo, yoga, xamanismo… Parar os diálogos internos em todas as tradições do desenvolvimento humano tem sido visto como algo muito importante. A pessoa precisa se alimentar de coisas a mais do que conceitos. A educação quer aprisionar a pessoa em um lugar onde ela é submetida a uma educação conceitual forçada, como se não houvesse outra coisa na vida. É muito importante, por exemplo, a beleza… A capacidade de reverência, admiração, veneração, de devoção. Isto não tem a ver necessariamente com uma religião ou um sistema de crenças. É uma parte importante da vida interior que está se perdendo, da mesma forma que estão perdendo belas áreas da superfície da Terra, à medida que se constrói e se urbaniza.

- Precisamente quero saber sua opinião sobre a crise ecológica que vivemos.

- Ela é uma crise muito evidente, é a ameaça mais tangível de todas. Você pode facilmente prever que, com o aquecimento global, com o envenenamento dos oceanos e outros desastres que estão acontecendo, muitas pessoas não poderão sobreviver.

Estamos vivendo graças ao petróleo e consumimos mais recursos do que a terra produz. É uma contagem regressiva. Quando ficarmos sem o combustível, será um desastre para o mundo tecnológico que temos.

As pessoas que chamamos primitivas como os índios têm uma maneira de tratar a natureza que não vem do sentido utilitário. Na ecologia, na economia e em outras coisas, temos dispensado a consciência e trabalhado apenas com argumentos racionais que estão nos levando ao desastre. A crise ecológica só pode ser interrompida com uma mudança pelo coração, com a verdadeira transformação que só um processo educativo pode dar. Com isto, eu não tenho muita fé nas terapias ou religiões. Só uma educação holística poderia evitar a deterioração da mente e do planeta.

- Poderíamos dizer que você encontrou um equilíbrio em sua vida nesse momento?

- Eu diria que mais e mais, apesar de eu não ter terminado a jornada. Eu sou uma pessoa com muita satisfação, a satisfação de ajudar o mundo que estou. Vivo feliz, se é que se pode ser feliz nesta situação trágica em que todos nós estamos.

- A partir de sua experiência, da sua carreira e sua maturidade, como você processa a questão da morte?

-Em todas as tradições espirituais são aconselhados a viver com a morte ao lado. Você tem que chegar a essa evidência de que somos mortais e que levar a morte a sério não será tão vaidoso. Não tens tanto medo das coisas pequenas, quando tens uma coisa grande que te preocupas mais. Acredito que a morte só é superada para aqueles que de alguma forma morrem antes de morrer. Um tem que morrer para a parte mortal, para a parte que não transcende. Aqueles que tem tempo e suficiente dedicação e que vão suficientemente longe nesta viagem interior, finalmente encontram seu verdadeiro eu. E este ser interior ou este ser que é um, é algo que não tem tempo e que dá a uma pessoa uma certa paz ou um sentimento de invulnerabilidade. Estamos tão absortos em nossas vidas diárias, em nossos pensamentos de alegria, tristeza, etc. … Nós não estamos em nós, não temos conhecimento de quem somos. Para isso, precisamos estar muito sintonizados com a nossa experiência de tempo. Esta é a condição humana, estamos vivendo no passado e no futuro, é o aspecto horizontal de nossas vidas. Mas desatentos para a dimensão vertical da nossa vida, para o aspecto mais alto e mais profundo, e este é nosso espírito e nosso ser e a chave para o acesso é o aqui e o agora.

Às vezes a gente vai estar em busca do ‘Ser’ e às vezes ficamos confusos em busca de outras coisas menos importantes, como a glória.

Reproduzido de Estar em Si
01 abr 2014

Assista também este vídeo de 24 mar 2015



Comentário de Paqonawta:


Albert Einstein re-cordando sua infância na escola, reclama o mesmo, sobre estar ali apenas "aprendendo" o que era para passar nos exames... que os professores eram "sargentos"... Queria fugir da escola. Benzadeus que ele "rexistiu" e, apesar da escola que teve, imaginou e descobriu tantas coisas. Educação é Evolução, é re-Evolução, é Re-vira-voltação, descoberta de nós mesmos. Que escola ou sistema educativo concebe a educação assim? Concordo plenamente com Claudio Naranjo: "Nós não estamos em nós, não temos conhecimento de quem somos." Precisamos nos re-criar nesse cosmo, resistir para Bem existir nesse universo pulsante de vida, bater as asas da imaginação, olhar para dentro e para cima...

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Laurindo Lalo Leal Filho: O fim dos programas infantis na TV

Daniel Azulay e a Turma do Lambe-Lambe na TVE do Rio

O fim dos programas infantis na TV

O abandono das crianças pelas emissoras exige uma resposta institucional. É necessário obrigar os canais a reservarem espaço ao público infantil.

Laurindo Lalo Leal Filho

Os programas infantis estão desaparecendo da TV aberta brasileira. Nas redes comerciais resta apenas o Bom Dia e Cia, exibido pelo SBT. O motivo não está na resolução (163)* do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), de abril do ano passado, proibindo a exibição de comerciais voltados para o público infantil como chegou a ser apregoado.

O desprezo das TVs pelas crianças é muito anterior a isso. Bem antes as emissoras já vinham substituindo aqueles programas por atrações dirigidas para um público mais amplo, capazes de atrair uma gama maior de anunciantes, especialmente através do chamado merchandising, prática usual na TV brasileira ainda que proibida pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 36.

A Globo acabou com a TV Globinho colocando no lugar o programa Encontro com Fátima Bernardes. A Record trocou os desenhos animados pelo Hoje em Dia, uma revista de variedades. Não que os programas infantis dessas redes tivessem qualidade excepcional, como tinham as antigas produções da TV Cultura de São Paulo, sempre lembradas como referências no gênero: Ra-Tim-Bum, Bambalalão, Mundo da Lua, entre outros. Ou os do Daniel Azulay na antiga TVE do Rio de Janeiro. Mas eram o mínimo de respeito ainda existente no relacionamento das emissoras com o público infantil. Até isso acabou.

Além do merchandising, outro fator contribuiu para encolher a programação dirigida às crianças na TV aberta comercial: o sucesso dos canais pagos voltados para esse público. São líderes de audiência, tendo como espectadores crianças de famílias com poder aquisitivo mais elevado, capazes de pagar pelo serviço. Às demais restam os canais públicos de sintonia muito mais difícil do que a das grandes redes comerciais. Ainda assim os programas infantis lideram a audiência nas programações da TV Cultura de São Paulo e da TV Brasil.

Movidas exclusivamente por seus interesses mercadológicos, as emissoras privadas, concessionárias de um serviço público, deixam de cumprir a determinação constitucional que, em seu artigo 221, as obriga a dar preferência a programas com “finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”.

Nos Estados Unidos, para enfrentar a lógica do mercado, a lei determina que as emissoras transmitam, no mínimo, três horas semanais de “programação infantil essencial”, identificando os programas com o símbolo E/I, além de informarem antecipadamente os pais sobre os horários de exibição.  Os programas devem ir ao ar entre às 7h e às 10h da manhã, com pelo menos 30 minutos de duração.

No Brasil, o abandono das crianças pelas emissoras comerciais exige uma resposta institucional. É necessário que no ato de outorga das concessões de TV exista uma cláusula obrigando as emissoras a reservarem espaços generosos e bem localizados de suas grades de programação ao público infantil.

Essa medida, combinada com a proibição total da veiculação de anúncios dirigidos às crianças, elevaria significativamente o patamar civilizatório existente hoje no país.

Reproduzido de Carta Maior
03 abr 2015

* Resolução 163 do Conanda. Nota de Filosomídia